Transtornos alimentares são subnotificados e podem levar ao suicídio

Quadro decorre de conjunto de fatores genéticos, bioquímicos e sociais; vamos dividir nossas experiências para que ninguém se veja sozinho diante de

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Quadro decorre de conjunto de fatores genéticos, bioquímicos e sociais; vamos dividir nossas experiências para que ninguém se veja sozinho diante de uma imagem distorcida no espelho

Joana L.Ana Carolina D. (FOLHA DE SÃO PAULO)

Olá, leitor (a). Somos Joana e Ana Carolina, temos anorexia e bulimia e vamos falar das doenças a partir de nossas experiências. Também vamos abordar os transtornos alimentares (que iremos chamar de T.A.) e de imagem e questões que os perpassam na tentativa de valorizar e qualificar o debate ao redor de um tema que continua sendo um tabu.

Apesar de ainda serem assuntos discutidos aos sussurros, esses transtornos são comuns, diz ao blog o dr. Táki Cordás, coordenador do Programa de Transtornos Alimentares (Ambulim) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Além do estigma, a subnotificação dos casos de bulimia, anorexia, compulsão alimentar, entre outros distúrbios, pode contribuir para o esvaziamento do debate, que muitas vezes reduz essas doenças a uma busca pela magreza.

Os transtornos alimentares vão além da superficialidade: envolvem um comportamento anormal com a comida, o peso e a forma corporal e resultam em risco ou dano significativo à saúde porque se manifestam em sofrimento e incapacidade funcional.

Depressão e ansiedade, por exemplo, podem impulsionar um transtorno, além de fatores genéticos, da influência do ambiente familiar e social (como o consumo inapropriado de conteúdos que incentivem a magreza) e da personalidade de cada indivíduo. Além disso, pessoas que sofrem com essas patologias podem enfrentar distorção de imagem: elas se olham no espelho e não se veem como são.

“Todos temos um esquema corporal de nós mesmos. Se fechar os olhos você consegue saber onde está cada coisa do seu corpo, pois tem uma imagem sua gravada no cérebro. Principalmente mulheres tendem a ter alguma insatisfação corporal, mas pessoas com transtornos alimentares sofrem uma alteração que confunde esse desenho”, diz Cordás.

O especialista explica que há uma interação diferente das áreas do cérebro nesses indivíduos, e a imagem que veem de si próprios oscila de acordo com o humor, seja por impactos da rotina ou hormonais. Mesmo com acompanhamento psicológico, essa imagem pode levar anos para ser identificada, tratada e normalizada, aparecendo entre os maiores causadores de recaídas nos hábitos nocivos dos transtornos alimentares, como restrição e compulsão alimentar, compulsão por exercícios ou comportamentos que forcem a purgação.

De acordo com dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), ao menos 70 milhões de pessoas no mundo têm algum tipo de transtorno alimentar. Os casos de compulsão, anorexia nervosa e bulimia somados superam a incidência de patologias como a depressão, diz Cordás. Estima-se que há entre os brasileiros uma incidência de 3,5% de compulsão alimentar, 1,8% de bulimia e 1% de anorexia nervosa, além de outros transtornos sem diagnóstico.

Os diferentes fatores de influência dificultam o diagnóstico pelos profissionais, afirma Cordás. Mulheres são mais suscetíveis por alguns motivos, desde variações hormonais e alterações de humor até cobranças estéticas. Isso não significa que fazer dieta indique alguma disfunção, mas pode ser um fator de risco para quem tem outros sintomas.

Além disso, os números de pessoas que sofrem com transtornos alimentares é incerto, pois também variam de acordo com pesquisas, os países em que são feitas e as classes sociais dos pesquisados. A alta taxa de mortalidade da anorexia nervosa se destaca, ficando entre 10% e 20%, seja por decorrências físicas ou por suicídio.

De acordo com a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), pessoas com bulimia nervosa também têm um risco maior de abuso de substâncias, complicações de saúde e suicídio. O tratamento familiar e a terapia cognitiva são opções eficazes para os dois transtornos.

Encontrar o diagnóstico é difícil, e há poucas pesquisas sobre o tema. Uma das últimas foi feita em 2015. De lá para cá, outros fatores de risco para a saúde mental emergiram com a pandemia da Covid-19. Segundo dados da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), o isolamento na quarentena pode ter sido gatilho para pacientes com transtornos alimentares e ter agravado casos de Covid-19.

Esse cenário que trata os transtornos alimentares “debaixo dos panos” também pode ser observado na indústria farmacêutica, com a recente recomendação abusiva de substâncias que inibem o apetite.
Assim, pessoas que sofrem com T.A. podem ter a impressão paradoxal de que “todo mundo vive assim” e de que é a única pessoa que está sofrendo com a autoimagem e com a alimentação. Neste blog, buscamos dividir nossas experiências para que ninguém se veja sozinho diante de uma imagem distorcida no espelho.


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(FOLHA DE SÃO PAULO)

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